era apenas suas pálpebras se abrindo.
FOTO: Boneca numa fachada no Pelourinho. Salvador/Bahia, Jan. 2007
um dia resolveu contar seus sonhos. acreditava no outro como deveria. cria como se fosse a última face na terra. mas o outro quebrou seu espírito e se desfez de todos os seus sonhos.
tudo isso envolvido num líquido cristalino que brotava de um globo que lhe abria o mundo. pesava. assim nunca sairia do chão. apenas anjos sabem voar, dizia o descrente.
a asa quebrada não impediu as cordas de vibrar, o ar de entrar e sair, nem seu som de se espalhar pelo infinito. com os olhos em riste, o outro ainda a veria voar.
numa manhã de domingo, não havia ido a igreja. todos sentiram sua falta, inclusive o outro, que foi a sua casa. encontrou um bilhete próximo a janela aberta. cortinas ao vento.
mesmo com a asa quebrada as cordas ainda vibram, o ar entra e sai, o som se espalha. levantou os olhos, encheu os pulmões e pôs-se a cantar. o outro deveria vê-la voar, concluiu o descrente num discurso póstumo.
"ainda que tenha uma asa quebrada, me resta uma outra. é com ela que vou voar", dizia o bilhete próximo à janela.
Vinícius.